quarta-feira, 30 de abril de 2014

LEITURA NA COORDENAÇÃO

Coordenação pedagógica: uma práxis em busca de sua identidade

Maria Amélia Santoro Franco


Resumo
Neste trabalho analiso aspectos de uma pesquisa que venho desenvolvendo junto a coordenadores pedagógicos de uma rede municipal de ensino no litoral paulista. O aspecto central aqui abordado refere-se à discussão da especificidade da tarefa pedagógica. Para tanto, abordo as questões que emergiram do próprio processo de pesquisa: o que, afinal de contas, coordenamos quando nos referimos à coordenação pedagógica? Onde se encontra o pedagógico na escola? Como esse pedagógico permeia as ações escolares? Na busca de conhecimentos sobre essas questões reporto-me tanto às representações dos 30 sujeitos desta pesquisa, bem como às recentes contribuições de Imbert (2003) e Fabre (2002) ao analisarem questões referentes à práxis pedagógica. A pesquisa que embasa este trabalho partiu de uma pesquisa-ação crítica, transformada em um processo de formação continuada desses profissionais, processo esse que denominei de pesquisa-formação. Seguindo as argumentações, entrevistas e observações, o trabalho conclui que coordenar o pedagógico será instaurar, incentivar, produzir constantemente um processo reflexivo, prudente, sobre todas as ações da escola, com vistas à produção de transformações nas práticas cotidianas.

Introdução

Há anos venho pesquisando o campo conceitual da Pedagogia e a tenho visualizado como a necessária e a possível ciência da educação. Aprofundar meu olhar de pesquisadora na práxis de coordenadores pedagógicos de uma rede municipal de ensino foi um momento de muita aprendizagem, mas, também, de muita angústia frente a constatações das dificuldades de a Pedagogia, enquanto ciência, subsidiar a prática educativa nas escolas.
A análise contextual e crítica das necessidades sentidas pelos coordenadores indicou, entre outros aspectos, a necessária compreensão do papel profissional desses educadores, que, premidos pelas urgências da prática e oprimidos pelas carências de sua formação inicial, encontram-se dilacerados frente aos imediatos afazeres de uma escola que, na maioria das vezes, caminha sem projetos, sem estrutura, apenas improvisando soluções a curto prazo, de forma a sobreviver diante das demandas burocráticas.
Esse quadro de perplexidade e angústia que identifiquei no grupo de coordenadores sinalizava para a necessária ressignificação e reconstrução do papel identitário desses profissionais, na perspectiva de que o desenvolvimento profissional deveria emergir de processos de reflexão crítica dos sujeitos como pessoas historicamente inseridas num contexto político-institucional próprio. Comecei a focar os sentidos desse trabalho no cotidiano e, a seguir, foi inevitável adentrar nos não-sentidos desse cotidiano.

Contextualizando a problemática

Considero que um dos grandes problemas que pode dificultar aos coordenadores pedagógicos perceberem-se capazes da construção de um trabalho eficiente e produtivo na escola seja a falta de sua formação inicial para o exercício desta atuação. Os atuais coordenadores dessa rede de ensino, com raras exceções, não foram formados para tal atuação. Formaram-se professores em diversas áreas do conhecimento, participaram de processo seletivo na sua delegacia de ensino e encontram-se nas escolas premidos pelas urgências do cotidiano, envolvidos em alguns projetos pedagógicos específicos ou atendendo a requisições pontuais da direção da escola.
Essa situação por certo decorre das concepções epistemológicas que consideram que não há especificidade no trabalho pedagógico, fruto talvez dos pressupostos decorrentes da racionalidade técnica que desconsidera a complexidade dos fenômenos da práxis educativa. Isso, como hoje já se sabe, é um equívoco, bastante enfatizado por Pérez-Gomes (1992, p.100) quando afirma que os problemas da prática não podem ser reduzidos a problemas meramente instrumentais, que conduzem a tarefa profissional a uma simplória escolha e aplicação de meios e procedimentos.
Para trabalhar com a dinâmica dos processos de coordenação pedagógica na escola, um profissional precisa ter, antes de tudo, a convicção de que qualquer situação educativa é complexa, permeada por conflitos de valores e perspectivas, carregando um forte componente axiológico e ético, o que demanda um trabalho integrado, integrador, com clareza de objetivos e propósitos e com um espaço construído de autonomia profissional.
Acredito que seja fundamental ao profissional da coordenação pedagógica perceber-se como aquele educador que precisa, no exercício de sua função, produzir a articulação crítica entre professores e seu contexto; entre teoria educacional e prática educativa; entre o ser e o fazer educativo, num processo que seja ao mesmo tempo formativo e emancipador, crítico e compromissado.
Na pesquisa que realizamos com os coordenadores consideramos como suporte teórico os estudos e as pesquisas que focalizam o papel da reflexão como instância fundamental para a construção da profissionalidade do educador. [1]
Realço que a função pedagógica, neste trabalho, será entendida como a ação que evidencia o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis docente. O trabalho do coordenador pedagógico é uma atividade voltada essencialmente à organização, à compreensão e transformação da práxis docente, para fins coletivamente organizados e eticamente justificáveis.
Assim caberá à coordenação pedagógica organizar espaços, tempos e processos que considerem:
  • Que as práticas educativas e pedagógicas só poderão ser transformadas a partir da compreensão dos pressupostos teóricos que as organizam e das condições dadas historicamente;
  • Que a prática, como atividade sócio-histórica e intencional, precisa estar em constante processo de redirecionamento, com vistas a se assumir em sua responsabilidade social crítica.
Caberá à tarefa pedagógica na escola funcionar como a interlocutora interpretativa das teorias implícitas na práxis, e ser a mediadora de sua transformação, para fins cada vez mais emancipatórios.
Para a organização deste espaço profissional na escola, os coordenadores precisam estar conscientes de seu papel, construindo, cotidianamente, suas possibilidades pessoais e profissionais. Acredito que o processo crítico-coletivo-reflexivo poderá ajudar na construção e na ressignificação dos processos identitários e profissionais desses educadores.
Historicamente, a classe profissional dos professores e pedagogos tem sofrido com o desprestígio social da profissão, com a descaracterização da identidade coletiva da classe, com as dificuldades inerentes ao próprio processo de ensino diante das sofisticadas demandas sociais. Há que se entender que o educador, nesse caminhar, encontra-se em profundas dissonâncias com a construção de seu papel social, de sua identidade profissional, de sua identidade como pessoa. Fazê-lo refletir sobre sua prática será por certo encaminhá-lo a analisar a construção/desconstrução/reconstrução de sua identidade profissional.
Na busca de trabalhar significativamente com o cotidiano de trinta coordenadores pedagógicos, empreendi um processo de investigação-formação, sob forma de encontro pedagógico, permeado por oficinas reflexivas, que buscavam interpretar as dificuldades cotidianas desses educadores e que foram possibilitando um olhar cada vez mais crítico sobre a prática que exerciam. Nesse contato prolongado com os sujeitos foi possível colocá-los numa relação indagadora com seu cotidiano, com suas representações de identidade e com suas perspectivas de atuação coletiva, base importante para reverem seus papéis profissionais e a identidade profissional em construção.

Metodologia de pesquisa

Realço aqui a questão da metodologia, pois ela pretendeu ser também parte do processo formativo dos coordenadores. A pesquisa organizou-se em torno de atividades de formação continuada, oferecendo-se aos participantes as possibilidades de se transformarem também em pesquisadores da própria prática.
Os pressupostos que fundamentam a metodologia de pesquisa escolhida partem da consideração de que pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas e que pesquisa e formação podem ser processos que se integram quando se tem como perspectiva de intencionalidade a fomentação de processos crítico-emancipatórios nos sujeitos da práxis. Dessa forma optamos por trabalhar dentro de uma das múltiplas abordagens da pesquisa-ação, que denominamos pesquisa-ação crítica.
A condição para ser pesquisa-ação crítica é o mergulho na práxis do grupo social em estudo, de onde se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar, que sustentam as práticas, sendo que as mudanças serão negociadas e geridas no coletivo.
Dentro dessa perspectiva metodológica, fomos construindo coletivamente:
  • Encontros de conhecimento com os coordenadores pedagógicos, sujeitos da pesquisa, para compreensão de suas perspectivas de ação, dificuldades e levantamento das necessidades específicas de formação;
  • Encontros pedagógicos, sob forma de oficinas de reflexão da prática por meio das quais se realizava, no coletivo, a análise e a cientificização das situações cotidianas da prática (nesses encontros eram dadas orientações, discussões de leituras e revisões dos suportes teóricos da prática);
  • Escolha de procedimentos e processos de transformação de situações cotidianas da prática; propostas de intervenção para serem realizadas nos próprios espaços de trabalho; acompanhamento e avaliação;
  • Organização coletiva dos conhecimentos que foram emergindo do trabalho de pesquisa e das situações reelaboradas na prática.

O que coordenamos?

Concordo com Márcio [2] ao afirmar que ele tenta coordenar o caos, ou a desorganização da escola; ou mesmo com Sílvia, ao afirmar que tenta coordenar e dar conta das contínuas requisições diárias da direção da escola, que são as mais variadas possíveis, desde abrir os portões da escola até auxiliar no serviço de merenda.
De um modo geral as escolas são percebidas pelos coordenadores como espaços de pouco planejamento e muita improvisação, e as atividades cotidianas são conduzidas por ações espontaneístas, emergenciais, superficiais, baseadas no bom senso.
Os coordenadores percebem-se muito aflitos, exaustos, angustiados, pois trabalham muito (em média, segundo seus relatos, doze horas por dia) e não percebem mudanças significativas na estrutura da escola que possam corresponder como produtos de seu trabalho.
A maioria considera que gasta seu tempo prioritariamente em tarefas burocráticas, preenchendo planilhas, organizando relatórios, fazendo levantamentos, respondendo às requisições da delegacia de ensino, atendendo pais. Gastam também muito tempo organizando eventos, festas, atividades e/ou projetos específicos solicitados pela direção e/ou delegacia.
Estão freqüentemente aturdidos com as questões de indisciplina dos alunos e a falta dos professores, problemas que se potencializam mutuamente, uma vez que, quando o professor falta, há que se arrumar “esquemas” para a permanência dos alunos, pois quase nunca estão nas escolas professores eventuais.
De um modo geral possuem a clara dimensão de que deveriam trabalhar com os professores. Consideram que o específico de seu trabalho seria a coordenação dos professores, a organização de processos de formação continuada. No entanto, essa tarefa é realizada de forma pontual e sem muitos fundamentos teóricos. Dizem que gostariam de saber ensinar aos professores métodos e técnicas de ensino bastante variadas, para permitir aos docentes a possibilidade de se tornarem profissionais que ensinam.
Além da dificuldade referente à formação teórica, os coordenadores se queixam de não dominar os conteúdos das diferentes áreas do saber e que isso os impede de trabalhar mais profundamente com os docentes. Queixam-se também da falta de liderança que possuem no ambiente escolar, pois não se consideram valorizados na escola para tal fim nem se sentem percebidos pelo grupo como alguém com capacidade para tal tarefa.
Esse sentimento de inadequação e incapacidade permeia todo o grupo. Sabem e reconhecem que um trabalho de capacitação docente deve ser planejado, gradual, contínuo e persistente. Mas sabem que não possuem condições – nem pessoais, nem profissionais, nem administrativas para tal fim. Daí sentem-se vulneráveis no trabalho com os docentes e acabam priorizando aquilo que de alguma forma sabem fazer. Uma frase bem contundente de um dos participantes: o que amplia meu cansaço é a variedade de afazeres que não são de minha competência e, além disso, saber que no próximo dia estarei relutando com a concentração de poder e resistência de alguns professores.
Quando cheguei a buscar o sentido de pedagógico que permeava a representação de Pedagogia, dentre os participantes, fiquei intrigada, pois havia muita convergência nos sentidos de inovação, transformação. Associam a Pedagogia, inicialmente, com formas de ensino e a seguir como algo que transforma. Praticamente todos os entrevistados dizem que a função prioritária do coordenador é organizar o pedagógico na escola, estruturar o trabalho coletivo dos docentes, organizar as mudanças para que a escola ensine melhor. No entanto, não sabem como caminhar nessa direção. Reconhecem que as HTPCs (horas de trabalho coletivo na escola) são o principal espaço para tal fim. Mas admitem que, quando chegam as reuniões, há tanto assunto extra a comentar, há tantos avisos a serem dados, há tantas orientações legais para se passar, que não sobra tempo para reverem e discutirem o projeto pedagógico da escola.
Discutimos muito sobre as dificuldades de mudanças na prática docente, realçando que as práticas não mudam por decreto: as práticas só podem começar a mudar quando os práticos constroem uma nova concepção dos próprios processos de aprender e ensinar, reconhecendo os próprios limites e as próprias deficiências. Isso significa que mudar a prática é um processo de mudança pessoal, de mudança de perspectiva diante do mundo. Acima de tudo, mudar implica reconhecimento de que é necessário mudar, reconhecimento esse que vai dar origem ao desejo de mudar, que vai desembocar na busca de condições para se poder mudar. Essa busca só se dá no coletivo, portanto as mudanças só podem ocorrer quando o grupo de docentes passa a se constituir em um coletivo de docentes, com compromissos com a mudança.
Após a discussão da complexidade da tarefa surgem novas expectativas sobre as possibilidades de operar mudanças na realidade de cada contexto. Isso se torna uma tarefa penosa, uma vez que os atuais coordenadores não encontram na escola espaço qualificado para se apresentarem como aqueles que irão produzir mudanças. São atropelados pelas exigências pontuais da direção e não possuem, na perspectiva dos docentes das escolas, representatividade para tal. Além disso, sentem-se incapazes de empreender tais ações; sentem-se vulneráveis, pois apenas exercem uma função, não possuem o cargo de coordenadores.

Coordenar o pedagógico

Estive até agora refletindo sobre a perplexidade dos coordenadores pedagógicos diante da tarefa de coordenar o pedagógico. Quero realçar que essa perplexidade não é só dos coordenadores: ela está presente em todos aqueles que trabalham com a educação. Onde se encontra o pedagógico? Como o pedagógico permeia as ações escolares? Há o pedagógico dos docentes, no espaço de sala de aula; há o pedagógico nas ações de gestão da escola; há o pedagógico presente nas políticas públicas. De que pedagógico falamos?
Vamos nos reportar inicialmente a Durkheim (1985, p.51), que identifica três sentidos para a noção de pedagogia: a) a pedagogia como a arte do educador; b) a pedagogia como reflexão sobre a ação educativa; e c) a pedagogia como doutrina educacional. Para o autor, a segunda concepção é a que mais esclarece o sentido da pedagogia, que consiste, segundo ele, em uma certa maneira de refletir sobre as coisas da educação.
Considero que o objeto da Pedagogia, como ciência da educação, será o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis educativa. Durkheim propõe a reflexão sobre as coisas da educação; eu amplio a intencionalidade dessa reflexão: refletir para transformar; refletir para compreender, para conhecer e, assim, construir possibilidades de mudança das práxis.
Essa mudança que estabeleço em relação à definição de Durkheim se justifica, uma vez que os estudos contemporâneos sobre a formação de professores [3] demonstram que a prática docente é uma prática sócio-histórica, que se organiza e se desenvolve através de saberes próprios que a qualificam como uma capacidade que pode ser cientificamente desenvolvida e transformada. A docência passa a ser vista para além da arte.
No entanto, a transformação das práticas só poderá ocorrer a partir da compreensão dos pressupostos teóricos que as organizam e das condições dadas historicamente; é também necessário considerar que a prática, como atividade sócio-histórica e intencional, precisa estar em constante processo de redirecionamento, com vistas a se assumir em sua responsabilidade social crítica.
Caberá à atividade de coordenação pedagógica, nos diferentes níveis de atuação, ser a interlocutora interpretativa das teorias implícitas na práxis, e ser também a mediadora de sua transformação, para fins cada vez mais emancipatórios.
Dessa forma resgatar-se-á à ação pedagógica, não apenas seu espaço de autonomia, mas, e principalmente, seu caráter essencial de ação crítico-reflexiva, que, considero, foi-lhe tirado quando da emergência da cientificidade moderna, que impregnou o fazer educativo-pedagógico com estratégias que visavam um modo correto de fazer as coisas, ou mais tarde, na busca de competência técnica, distanciando dela sua possibilidade de produzir um processo contínuo de reflexão transformadora.
Acredito que uma decorrência também importante desta consideração do pedagógico como instância de reflexão e de transformação das práticas escolares será a retomada pelos professores, educadores, do caráter da responsabilidade social da prática. Toda prática carrega uma intencionalidade, uma concepção de homem, de sociedade, de fins, e estes precisam estar claros para os que exercem a prática educativo-pedagógica, e também para os que são a ela submetidos, dentro de uma postura ética, essencial ao ato educativo.
Esse movimento de reapropriação da responsabilidade social docente, do compromisso político da profissão, produzirá um processo crescente de conscientização dos professores e dos gestores da prática pedagógica em relação à responsabilidade social e política da prática exercida cotidianamente.
Schmied-Kowarzik (1983) analisa a dialética da experiência da situação educacional como diretriz para a ação educativa. Ele diz que todo educador precisa reconhecer e dominar educacionalmente as situações educativas e suas exigências e que capacitar o educador neste sentido é a tarefa primeira das ações pedagógicas. Dominar as situações educativas não significa que o professor deva ser, apenas, treinado em habilidades e competências, como poderia pressupor a pedagogia científica clássica. Dominar suas exigências não significa submeter-se às exigências das circunstâncias, mas estar preparado para percebê-las e agir a partir delas. Dominar as situações educativas significa que o professor e o gestor pedagógico precisam estar criticamente avaliando e transformando os movimentos dialéticos da práxis.
Mais adiante, seguindo o texto de Durkheim (1985), verificamos sua afirmação de que os pedagogos “são espíritos revolucionários, insurgidos contra os usos de seus contemporâneos” (p.77) e que se esforçam para anular o passado e construir o novo. Percebo que os sujeitos pesquisados tinham razão em identificar a pedagogia com o novo, com a transformação, já que assim afirma o sociólogo: “A Pedagogia, na verdade, não estuda os sistemas de educação, mas reflete sobre eles, para fornecer à atividade do educador as idéias que o orientam.” (DURKHEIM, 1985, p.79).
Durkheim (1985, p.82) adianta suas reflexões colocando um bom recado aos coordenadores pedagógicos: ele afirma que a ação não espera a ciência, no entanto, enquanto aguardamos a ciência, não devemos agir de qualquer forma. Diz ele: “a reforma da escola não pode esperar que a ciência tenha resolvido a dificuldade. A função da pedagogia então se ressalta: quando a tradição não basta e a ciência ainda não compareceu ao encontro, trata-se de gerir a crise da educação com um pouco de ciência e muito de consciência!”.
Fabre (2002), ao analisar os posicionamentos de Durkheim, irá nos fazer caminhar um pouco mais nesta análise. Diz esse autor que a prática não depende da ciência, mas sim da prudência: “entre o racional e o irracional, é preciso colocar, para compreender a ação, um domínio intermediário, o do razoável.” (p.104).
Esse razoável seria a prudência, vista como a capacidade de decidir convenientemente o que é bom para si mesmo e para os outros. A prudência tem a ver com a capacidade de deliberar.
Segundo Fabre, a pedagogia seria, portanto, “uma reflexão prudente, não científica, sobre as práticas educativas, em vista de melhorá-las.” (p.105).
Considero interessante essa proposta, apesar de discordar da questão da não-cientificidade. No entanto, gosto da colocação de ser a pedagogia uma ação reflexiva prudente, no sentido de produzir corretas deliberações sobre as práticas educativas, na direção de sua transformação. A questão da prudência nos organiza o sentido da direção, da intencionalidade. Transformar sim, mas em que direção? Eu considero que a dimensão do coletivo das práxis é sempre o caminho para a construção de transformações éticas, desejadas e pressentidas pelo grupo.
Nesta direção me pergunto: qual é o pedagógico que deve ser coordenado?
Seguindo as argumentações feitas, coordenar o pedagógico será instaurar, incentivar, produzir constantemente um processo reflexivo, prudente, sobre todas as ações da escola, com vistas à produção de transformações nas práticas cotidianas. Esse processo reflexivo deverá abranger todo o coletivo da escola, especialmente os professores e toda a equipe de gestão, e se repercutir por todo ambiente escolar.
Essa tarefa de coordenar o pedagógico não é uma tarefa fácil. É muito complexa porque envolve clareza de posicionamentos políticos, pedagógicos, pessoais e administrativos. Como toda ação pedagógica, esta é uma ação política, ética e comprometida, que somente pode frutificar em um ambiente coletivamente engajado com os pressupostos pedagógicos assumidos.
Em suma, um coordenador pedagógico sozinho, por mais competente que seja, não conseguirá imprimir as marcas de uma dinâmica pedagógica se a instituição e seus contornos administrativos/políticos não estiverem totalmente comprometidos, envolvidos e conscientes dos princípios pedagógicos que o grupo elegeu para conduzi-los.
Coordenar o pedagógico implica redirecionamento e esclarecimento coletivo do sentido da escola. Isso o coordenador não poderá fazer sozinho, nem mesmo a direção da escola poderá fazê-lo sozinha.
O pedagógico não existe em uma esfera de abstração. Ele toma corpo, adquire concretude apenas no coletivo esclarecido de um grupo. De nada adiantam as intenções corporificadas num projeto de escola enquanto um discurso escrito. É preciso que essas intenções sejam tomadas pelo grupo todo, apropriadas pelo coletivo, num processo contínuo de busca de convergência e negociação de projetos e ações.
O coordenador pedagógico poderá fazer um bom trabalho no acompanhamento, na liderança das negociações do projeto em ação. Antes disso, sem um projeto esclarecedor de metas e anseios, ele nada poderá fazer.
O coordenador é uma peça importante no quebra-cabeça da dinâmica de uma escola. Mas é preciso que esse quebra-cabeça esteja sempre em processo de constituição. Com peças dispersas por todo canto, peças perdidas e nem lembradas, ninguém organizará o aparente caos.
É preciso, sim, que o coordenador seja bem formado, e essa é uma questão que precisa ser enfrentada pelos cursos de Pedagogia. É preciso também que diretores e docentes sejam bem formados. Mas mais que isso é preciso a rediscussão do sentido da escola e a certeza de que essa escola se sustentará com a qualidade do ambiente reflexivo que possuir.
Um coordenador sozinho não pode mudar a escola, muito menos a concepção que se tem historicamente da escola. Como comenta Sizer (1985), uma escola não emerge como um prato pronto de comida que basta aquecer por quinze minutos, mas a partir do cozimento em fogo brando de um conjunto de ingredientes. Parafraseando o autor, eu comento que não basta incluir um novo ingrediente numa comida que está inadequada: é preciso rever a receita e caprichar em todos os ingredientes. Assim não basta o esforço solitário do coordenador: é preciso rever a conjuntura da escola e assim abrir espaços para que todos possam dar o melhor de si, numa dinâmica potencializadora de cada circunstância que influi na escola.



uestões que emergem

Pude evidenciar nessa pesquisa com os coordenadores pedagógicos que, antes de se pensar na ressignificação do papel profissional dos coordenadores, outras questões se colocam, e se colocam prioritariamente – uma delas, como já anunciamos acima, é a rediscussão do sentido da escola.
Para enfrentar a rediscussão de sentido da escola, vou aqui, neste final de artigo, trazer algumas referências propostas por Imbert (2003, p.74) que redireciona essa questão a partir da discussão da práxis pedagógica como instrumento de reavivar, desnaturalizar a escola que temos. Imbert se apóia em Tosquelles para afirmar a diferença entre uma escola que opera por práticas arcaicas e aquela que introduz um projeto praxista em sua dinâmica. Diz o autor citado:
A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado (TOSQUELLES, 1984).
Imbert (2003, p.73) analisa que a mudança da escola e das práticas pedagógicas só poderá se realizar quando se operar uma transformação no imaginário dos educadores em sua dupla dimensão: ideológica e narcísica. Segundo o autor, a práxis visa a desocultação das articulações simbólicas e imaginárias da instituição. Ela subverte o desconhecimento instituído no qual as pessoas e os coletivos perdem suas capacidades autônomas. Fica claro que a escola não se transforma por projetos inovadores, normalmente impostos às escolas por via burocrática. A escola só mudará quando os educadores, em coletivo, perceberem que a escola pode e deve ser outra.
A questão da práxis é para o autor a consolidação de um projeto de autonomia. Esse projeto de autonomia implica trabalhar o imaginário sobre o qual a instituição se apóia. Trata-se, segundo ele, de re-historicizar a instituição.
Segundo o autor – e eu concordo –, o motor da pedagogia é a práxis pedagógica, que funciona como um instrumento de produção de autonomia, na direção de produzir sujeitos que falam. Neste sentido esse autor concorda com Hameline (1977, p.94) ao afirmar que “`o objetivo da educação é exatamente, e em definitivo, que o “eu” fale`”.
A perspectiva da práxis é a de uma ação que cria novos sentidos. Para tanto há que se partir do pressuposto de que a busca de novos sentidos, a pretensão de autonomia, é própria do ser humano como um sujeito que se incomoda com seu inacabamento, como nos falava Paulo Freire. A práxis como exercício pedagógico permite ao sujeito, enquanto sujeito histórico e coletivo, acessar os caminhos de sua autonomia.
Temos visto nas escolas um quadro de autonomia perdida, perderam-na todos os envolvidos. A escola é formada por sujeitos calados, deprimidos, que se apropriam apenas de discursos alheios, manipuladores. Somos todos cativos de um discurso que referenda o necessário fracasso da escola. Precisamos, nós educadores, assumirmos o projeto de autonomia da escola, na busca de que nossos “eus” falem, nossos “eus” reivindiquem uma nova escola, fruto das necessidades históricas e dos anseios de todos os educadores.
Não podemos deixar que os coordenadores pedagógicos sejam o próximo “bode expiatório” na explicação do fracasso da escola. Como todos os educadores, são eles vítimas históricas da falta de comprometimento real da sociedade brasileira com as urgências da educação.
Enfim, é preciso tempo e prudência para modificar as práticas pedagógicas amalgamadas historicamente; a cultura escolar pode mudar, suavemente, com persistência e rigor político. Será preciso que o coletivo articulado de educadores organize novos pressupostos para dar contornos à emergência de uma nova práxis pedagógica.

Maria Amélia Santoro Franco é coordenadora do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Santos. E-mail: ameliasantoro@uol.com.br



[1]A esse respeito, consultar: Nóvoa, 1992; Pérez-Goméz, 1992; Zeichner, 1993; Contreras, 2002; Cunha, 1999; Garcia, 1992; Sacristán e Gómez, 1998; 1999, Corinta, 1998; Mizukami, 2002; Pimenta e Ghedin, 2002; Rosa, 2003.
[2]Nome fictício de um dos coordenadores pesquisados. Os demais nomes a serem utilizados serão todos fictícios.
[3]Conforme nota de rodapé 1.


O TRABALHO DE PESQUISA FOI UMA RIQUEZA PARA OS CONHECIMENTOS DE NOSSOS ALUNOS.


























 POIS SABEM QUE ALÉM DOS CONHECIMENTOS DESCOBRIRAM QUE SERVE DE FONTE DE RENDA PARA OS FUNCIONÁRIOS QUE ALI TRABALHAM.


USINA DE TRATAMENTO DO LIXO DO MUNICÍPIO DE TERENOS-MS, O SECRETÁRIO HENRIQUE WANCURA E FUNCIONÁRIOS RECEBERAM NOSSOS ALUNOS.














TRABALHO DE PESQUISA DOS ALUNOS DA ESCOLA MUNICIPAL SALUSTIANO DA MOTTA - 30/04/14